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Marisa I Soster Sartori

DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE HUMANA NA INFÂNCIA


A sexualidade humana é algo que está presente na vida de todos, desde o momento em que a pessoa é concebida, é uma energia da vida que nos motiva para o amor, interação com o outro, contato, ternura, intimidade, ela integra na forma como nos sentimos, tocamos e somos tocados, é ser sensual e ao mesmo tempo sexual.

A sexualidade influencia nos pensamentos, nos sentimentos, nas emoções, interações e, por isso, que ela também vai influenciar na nossa saúde física e mental, pois todas as interações do sujeito são sexualidade, não tendo como desconectar o ser humano dessa experiência, que pode ser individualmente ou com parceiro. Essa conexão com ela mesma e com o outro é o que chamamos de sexualidade.

A sexualidade é diferente de sexo; sexo é uma prática, um ato, sexualidade é o afeto, a forma como a pessoa se conecta consigo mesma e com a outra pessoa, é o conjunto, a conexão; sexo é a forma que se realiza a prática. Através do ato surgem as memórias, vivências da própria história que remete e que leva o sujeito tanto a se aproximar quanto a se afastar da vivência da sexualidade, é também a forma como a pessoa realiza o sexo (AHLERT, 2021).

O desenvolvimento da sexualidade apresenta várias etapas: na infância, na adolescência e na adultez.

No momento atendo demandas de sexualidade dos adultos, no entanto, é importante saber se em algum momento da vida houve alguma dificuldade, em determinada etapa do desenvolvimento da sexualidade, se ficou algo marcado ou representado como uma experiência positiva ou negativa. Muitas vezes a queixa da pessoa de dificuldade na sexualidade está ligada a traumas ou marcas negativas que as pessoas absorvem ou vivência no desenvolvimento sexual, como, por exemplo, o abuso (ofensa sexual), educação repressora, entre outros, geralmente isso acontece na infância, na adolescência, ou mesmo na adultez, causando um impacto na vida da pessoa.

As dificuldades sexuais dos sujeitos estão relacionadas com as vivências e experiências do decorrer da vida, por isso é tão importante entender todo o contexto da história, experiências e o desenvolvimento de cada indivíduo (AHLERT, 2021).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) (2006) aponta que para se ter equilíbrio, saúde e boa qualidade de vida, homens e mulheres precisam estar bem nos quatro pilares fundamentais: família, trabalho, lazer e sexualidade.

Considerando os variados fatores que interferem na sexualidade dos sujeitos, é importante entender o desenvolvimento da sexualidade humana. Neste texto vou escrever sobre o desenvolvimento normal da sexualidade na infância, ou seja, o que é esperado em casa fase.


O Desenvolvimento da sexualidade na infância

O comportamento de uma criança ou adolescente é considerado “anormal” quando perturba o curso habitual do desenvolvimento, causa ansiedade, sofrimento evidente e também com muita frequência para a família.

O comportamento sexual infantil, segundo Fontana, Guadagnin e Diehl (2017), é mais comum do que se pode imaginar, ocorrendo em 42% a 73% das crianças durante a infância. Entre os comportamentos sexuais esperados entre as crianças, os autores citam a tentativa de visualizar os órgãos genitais e/ou os seios de outra pessoa, ou ainda tocar seus próprios genitais.

No entanto, crianças “[...] podem expressar comportamentos sexuais inadequados ou de maneira intrusiva que envolvam sofrimento e desajuste. Todos esses comportamentos devem ser avaliados dentro do contexto de outros transtornos emocionais e de comportamento, dificuldades de socialização e disfunção familiar, incluindo violência, abuso e negligência.” (FONTANA; GUADAGNIN; DIEHL, 2017). Por isso, é importante estar atento ao comportamento esperado em cada fase do desenvolvimento da sexualidade da criança.

Freud [1901-1905] aponta três fases do desenvolvimento da sexualidade na infância, ou pulsões infantis, em que a sexualidade vai se manifestar de acordo com a faixa etária da criança (faixa etária não é fixa); ocorre a dominância da zona erógena, é a fase que dá para ver se a criança se desenvolveu ou não, se teve alguma marca em relação à sua sexualidade. São as fases:

  • Fase oral

  • Fase anal

  • Fase fálica

Segundo Ahlert (2021), “Em cada uma dessas fases do desenvolvimento podem ser criados pontos de fixação, os quais são causados tanto por uma exagerada gratificação quanto por conflitos e dificuldades em qualquer uma das fases, podendo ser de diferentes níveis de consciência ou inconsciência.”

A primeira fase do desenvolvimento da Sexualidade na Infância é a “oral”, essa fase acontece desde o nascimento até aproximadamente os 18 meses de vida da criança. Durante esse período, a zona erógena é a boca e a criança obtém satisfação sugando, chupando, mamando e levando os objetos à boca. A criança sente uma sensação de prazer, levando esses objetos na boca; assim, a sexualidade começa a se desenvolver por meio do prazer em experimentar.

A segunda fase é a “anal”, ocorre aproximadamente entre 18 meses e 3 anos de vida da criança, durante esse período a zona erógena é o ânus, começam os controles esfincterianos (da bexiga urinária e anal) e o prazer acontece em segurar ou eliminar as fezes e a urina. A criança começa a desenvolver o controle e ela percebe que isso deixa os pais felizes, a criança recebe elogios e vai registrando esse controle como algo que agrada o outro e se sente amada e protegida.

É importante orientar os pais para não apressar esse processo, porque é um desenvolvimento neuropsicomotor, ou seja, muitas vezes a criança pode desenvolver um controle antecipado para agradar os pais, para não perder o amor dos pais.

Isso vai acarretar na sexualidade e na vida na adulta, ou seja, o adulto que acredita que quando criança atendia todas as necessidades das outras pessoas, principalmente do pai e da mãe, pessoas que dão amor, ou ainda os cuidadores que dão atenção, afeto e cuidado. O adulto que quando criança atendia todas as necessidades do outro, sexualmente na vida adulta vai sentir a necessidade de agradar ou atender todas as expectativas do outro, não segue o curso natural do desenvolvimento, sente que “tem que” atender sempre as necessidades dos outros, para ter segurança e se sentir amado, assim sente que tem o controle da situação (AHLERT, 2021).

No entanto, na sexualidade normal, o sujeito vai depender de si mesmo e também na relação com o outro não terá o controle de tudo, nem tudo vai ser da forma que deseja ou planeja. Pessoas controladoras, que seguem as regras certinho, fazem sexo sempre na mesma hora, etc., podem estar relacionadas com essa fase do desenvolvimento (AHLERT, 2021).

A fase anal também está relacionada à limpeza, na adultez a pessoa vai ter uma cobrança de que precisa ter tudo muito limpo, muito cuidado, muita higiene de forma exagerada, fora do que é considerado normal.

Destaco novamente a importância de orientar os pais com filhos pequenos, para conduzir essa fase naturalmente, sem apressar o processo que é uma fase de desenvolvimento neuropsicomotor, se a criança for cobrada ela vai ficar com medo, com receio de não atender à expectativa do outro.

A terceira fase é a “fálica”, acontece entre o 3º e o 5º ano de vida e o interesse erógeno é o órgão genital, principalmente o falo (pênis).

Nessa fase, o menino começa a se dar conta de que ele tem pênis e a menina não tem. Embora percebam a diferença, ainda não é uma sexualidade adulta, isso significa que quando a criança percebe que tem um pênis e a menina uma vulva, esse menino e essa menina vão mexer. O menino vai mexer na cueca, na genitália e vai ficar ereto, vai colocar para fora, vai coçar aqui, ali.

A menina vai ser mais discreta nessa fase, ela vai se esfregar no sofá, na cadeira, no boneco, no ursinho, geralmente não vai colocar a mão na genitália e se colocar vai ser mais discreta, fazer uma coceguinha. No entanto, não é algo sexual, é prazeroso, é uma sensação boa, uma carícia (AHLERT, 2021).

Por isso que quando as crianças nessa fase são abusadas, não se dão conta de que é um abuso (ofensa sexual), ela vai sentir essa sensação gostosinha, mas depois quando começar a desenvolver o senso crítico, vai perceber que foi ofendida, abusada, porque ela era uma criança e o outro adulto, gerando conflito e trauma em razão dessa experiência.

A fase fálica é muito importante no processo de desenvolvimento porque a criança começa a se dar conta do corpo, começa se conhecer e se explorar/descobrir, mas ainda sem nenhuma visão sexual e sim uma visão infantil. Fase em que se deve estabelecer os limites para as crianças, todos os tipos de limites e também referentes à sexualidade, por exemplo: se uma criança de 5 anos estiver mexendo na genitália, orientar que ela/ele pode mexer na pepeca/pinto (linguagem infantil), mas de noite no quarto dela/dele, no banho dela/dele; da mesma forma em relação às outras pessoas tocarem neles, explicar para a menina/menino que ninguém pode tocar; se alguma pessoa pedir para ela/ele tocar em alguém também não pode, porque isso é de cada um e não pode mexer, isso é coisa de adulto, eles podem entre eles, porque são adultos. Isso vai educar a criança, para ela saber se proteger de abusos e experiências traumáticas.

Os questionamentos e dúvidas da criança surgem à medida que ela cresce e descobre seu próprio corpo. Nesses momentos, os pais, educadores e profissionais da saúde têm a oportunidade para responder de modo direto e apropriado para a idade da criança.

Fontana, Guadagnin e Diehl (2017) apontam que:


A demanda deve vir de maneira espontânea por parte da criança. O adulto deve adequar as respostas de acordo com o interesse da criança, e não, de maneira ansiosa, adiantar-se em assuntos pelos quais a criança ainda não demonstrou interesse nem tem maturidade para compreender. Quando as perguntas partem da própria criança, geralmente são decorrentes da curiosidade própria de cada faixa etária.


Na fase fálica também vai acontecer o apaixonamento do menino e da menina pela Mãe e pelo Pai (Processo Edípico). Na fase dos 3 aos 5 anos se trabalha mais o limite da criança, de uma forma amorosa, afetiva, cuidadosa, para que haja um desenvolvimento normal, natural, a fim de que ela possa crescer, desenvolver-se como pessoa, ser humano e, principalmente, desenvolver e viver sua sexualidade. Isso é para que ela não desenvolva traumas. Adultos que vivenciam traumas tocam sua vida, mas sua intimidade fica presa na fase do desenvolvimento, em que a criança viveu o trauma, gerando sofrimento na vida adulta.

A próxima fase do desenvolvimento da sexualidade infantil é a “latência”, acontece a partir do 5° ano de vida e se estende até a puberdade. Esta fase é importante e quase não se vê a criança passar por ela, mas é importante orientar os pais e também ficar de olho nos comportamentos da criança.

Na fase de “latência” declinam esses pequenos interesses sexuais que ocorrem na fase “fálica” e a curiosidade começa se dirigir para os estudos e esportes. Período em que a criança se permite viver uma gama de experiências, tentativas, erros e descoberta. Fase em que a criança se dedica aos esportes, socialização, atividades em grupo, uma série de outras atividades e também de explorar o corpo em um sentido mais físico, não no sentido sexual e de autoconhecimento.

Sendo assim, quando a criança está com dificuldade escolar é importante observar como está a fase de “latência”, em que a criança está ocupada, se os pais estão vivendo em conflito ou separação, o que está acontecendo e com o que a criança está ocupada. Na fase de latência, entre aproximadamente 6 e 10 anos, a criança deve estar preocupada com a curiosidade intelectual.


EDUCAÇÃO SEXUAL NA INFÂNCIA

Falando de educação sexual, deve ser feita de acordo com:

  • A faixa etária;

  • A manifestação ou demanda espontânea da criança;

  • O desenvolvimento emocional e físico, ou seja, a partir da necessidade da criança ou curiosidade dela.

Antecipar os assuntos referentes à sexualidade pode gerar ansiedade na criança.

Por exemplo: criança que se masturba em demasia pode ser decorrente de ansiedade, é necessário identificar o que está acontecendo. Isso também acontece com o adulto, quando ele está com ansiedade elevada e um comportamento repetitivo como uma forma de alívio, é preciso buscar o que está acontecendo e o que tem a ver com a história da infância.

Para o bom desenvolvimento na sexualidade, é também importante a criança dormir no quarto dela, assim os casais mantêm sua privacidade e preservam a criança. As crianças no quarto do casal ocorre uma inversão ou confusão de papéis, muitas vezes os pais ficam muito atrapalhados. Hoje já existe uma questão de cama compartilhada e novas teorias, algo relacionado às crianças participarem mais ou de não se estabelecer mais tantos limites, no entanto, segundo Ahlert (2021), em sua experiência como terapeuta sexual e de casal, o quarto do casal é o quarto do casal, quarto das crianças é das crianças.

Quando a criança dorme no quarto do casal, este perde sua privacidade, o espaço de intimidade. Por exemplo, se o casal quiser andar mais à vontade ou se quiser acordar no meio da noite e ter relações sexuais, como eles vão fazer isso se tem uma criança no quarto? Muitos casais dizem: “Ah..., mas quando vamos ter relações saímos do quarto, vamos para outro quarto.” Além de tirar a privacidade do casal, já existem muitas pesquisas indicando que o casal vai ter prejuízo muito grande na relação se levar os filhos dormir no quarto.

Se o casal não está conseguindo manter sua privacidade, leva a criança para o quarto deles, achando que a criança vai estar mais segura, ou não consegue estabelecer esse limite, o que este casal vai estar ensinando a esses filhos? Que eles não são capazes de dormir sozinhos, de crescer, que eles sempre vão precisar ficar no quarto dos pais e isso vai prejudicar a criança em seu desenvolvimento normal e saudável.

E se pensarmos no desenvolvimento saudável, pode-se dizer que existem muitos relatos de adultos que ficaram traumatizados porque dormiam no quarto dos pais, porque ouviram os barulhos, sexo de adulto é um sexo que tem pegadas, gemidos, tem cheiro, tem sons, movimentos, tem calor, a criança que está no mesmo quarto vai perceber tudo isso. E ela não tem que estar lá, ela deve estar dormindo no quarto dela.

Outro ponto importante do desenvolvimento da sexualidade saudável da criança e que interfere na sexualidade na adultez é a erotização dos filhos.

Ela ocorre quando os pais beijam na boca dos filhos, o famoso “selinho”, isso antecipa a sexualidade, o beijo na boca é hábito introduzido pelo adulto que pode ser invasivo para a criança que não tem discernimento para entender a diferença de uma demonstração afetiva dos pais ou com outras crianças e outros adultos. A criança não está emocionalmente pronta para isso e pode haver consequência para a sexualidade.

Outros estímulos inadequados para a idade são: criança vestida como se fosse adolescente ou adulto; por exemplo, criança de 4 anos vestida igual à mãe que tem 30 anos (tem alguém aí que não está na faixa etária correta na vestimenta); criança usando maquiagem, etc.; criança precisa correr, brincar, ser saudável.

O reconhecimento de que a formação integral da criança transcorre por possibilitar a vivência e a expressão da sexualidade infantil propicia a formação de crianças sexualmente saudáveis, ou seja, crianças sexualmente saudáveis são aquelas que se sentem bem com o seu próprio corpo, compreendem a importância da nudez e da privacidade, respeitam os membros da família e outras crianças e as diferenças, sentem-se confortáveis para fazer perguntas e entender noções de higiene pessoal e, sobretudo, sentem-se preparadas para a próxima fase, a puberdade (FONTANA; GUADAGNIN; DIEHL, 2017).

O desenvolvimento da sexualidade saudável na infância e da adolescência é de suma importância para a prática sexual saudável no futuro, uma vez que está intrinsecamente associado ao desenvolvimento emocional e físico da pessoa. Isso vai permitir que o adulto no futuro vivencie sua sexualidade de forma plena e feliz.


Referências


AHLERT, Bárbara Juliana. Curso psique: desenvolvendo os protocolos de atendimento da intimidade humana. Apostila 1. Porto Alegre: Inteligência Erótica, 2021.


FONTANA, Maria Aparecida Nunes; GUADAGNIN, Fernanda; DIEHL Alessandra. Sexualidade na infância. In: DIEHL, A.; VIEIRA, D. L. Sexualidade: do prazer ao sofrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2017.


FREUD, Sigmund. Obras completas, volume 6: três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de uma histeria ("O caso Dora") e outros textos [1901-1905]. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. Título original: Gesammelte Werke.


ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Sexual and Reproductive Health. WHO, 2006. Disponível em: https://www.who.int/teams/sexual-and-reproductive-health-and-research/key-areas-of-work/sexual-health/defining-sexual-health. Acesso em: 07 dez. 2021.


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   Psicóloga Marisa I Soster Sartori 

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